O Renascer da Bruxaria
A partir da
metade do século XIX, a Bruxaria tornou-se novamente objeto de discussão,
graças ao renascer do interesse em mitologia, folclore e magia. Em 1862, Jules
Michelet lançou sua obra “A Feiticeira” , na qual falou sobre a sobrevivência
dos cultos pagãos nas Idades Média e Moderna e sobre o surgimento paralelo do
satanismo. Apesar de importante, as principais intenções de seu livro eram
políticas: pretendia provar que a Bruxaria era um culto surgido nas camadas
inferiores da sociedade em protesto à repressão da classe dominante. Isso pode
ser verdadeiro para o satanismo, mas não corresponde à realidade quando se
trata de Bruxaria.
Mas isso não
diminui a importância de seu livro: sua tese da sobrevivência dos cultos pagãos
influenciou o trabalho de vários antropólogos e folcloristas do final do século
XIX e do início do século XX. Um deles foi o norte-americano Charles Leland, um
folclorista conhecido na época por suas pesquisas sobre cultura cigana. Em
1899, Leland lançou um livro intitulado “Aradia, ou o Evangelho das Bruxas”.
Foi a primeira obra de grande importância para o renascimento da Bruxaria no
século XX. Neste livro, Leland registrava as crenças reunidas por uma bruxa
toscana chamada Maddalena, que ele conhecera em uma viagem pela Itália no ano
de 1866. O livro fala da vecchia religione praticada naquela região: o culto à
Deusa Aradia, filha de Diana com seu irmão Lúcifer. Aradia foi la prima strega
(‘a primeira bruxa’), enviada à Terra por sua mãe para ensinar as artes da
feitiçaria aos humanos. A idoneidade do livro é contestada atualmente por
alguns historiadores da feitiçaria, que argumentam que Leland dirigiu sua
pesquisa para enquadrar-se em suas concepções e nas idéias de Michelet. Outros
dizem ainda que Maddalena traiu a boa fé do folclorista. O fato é que nada
disto tira o mérito do livro, um clássico da Bruxaria moderna.
A década de 20
produziu dois importantes livros para a Bruxaria moderna: um deles foi “O Ramo
de Ouro” (‘The Golden Bough’), gigantesca obra do antropólogo James Frazer,
versando sobre rituais de fertilidade. As idéias que expôs em sua obra,
juntamente com o conhecimento passado por Leland em ‘Aradia’ levaram a
antropóloga Margaret Murray a lançar seu importante livro “O Culto de Bruxaria
na Europa Ocidental” (‘The Witch-Cult in Western Europe’), em 1921. Nele Murray
sustentava que a Bruxaria era uma antiqüíssima religião organizada, presente em
toda a Europa, baseada no culto a um deus chifrudo da fertilidade, que ela
denominou de Dianus (ela falou mais sobre ele em seu livro ‘The God of the
Witches’). De acordo com ela, essa religião havia sobrevivido à perseguição e
continuava com suas práticas, de maneira oculta.
Muitas
críticas já foram feitas à Murray, e a maioria se baseou na fraqueza de alguns
de seus argumentos para defender a suposta ‘organização’ dessa religião. Hoje
sabemos que ela não era tão organizada nem praticada em tantos lugares quanto
Murray sustentava, mas indubitavelmente existia um culto pagão, praticado de
formas diferentes em lugares diferentes, que sobreviveu à perseguição.
Em 1948 Robert
Graves escreveu sua excelente obra ‘A Deusa Branca’ (‘The White Goddess’), no
qual concordava com Murray quanto à existência de um culto pagão disseminado
pela Europa, mas apoiava a tese de que sua divindade mais importante era uma
Deusa-Mãe, e não o Deus de Chifres. Três anos depois, em 1951, caíram as
últimas leis anti-feitiçaria da Inglaterra. A porta estava aberta para os
bruxos.
Surge então
Gerald Gardner, o mais importante personagem do renascimento da Bruxaria como
religião. Gardner era um folclorista inglês, amigo pessoal do grande mago
Aleister Crowley. Admirador de Frazer e Murray, realizava profundas pesquisas
sobre os cultos de fertilidade pré-cristãos e sua sobrevivência. No decorrer
destas pesquisas, em 1939, conheceu um grupo de pessoas que mais tarde
descobriu fazerem parte de um Coven secreto (como o eram todos, na época).
Gardner ficou fascinado: a existência destes bruxos confirmava as teses de
Margaret Murray. Estabeleceu uma relação de amizade profunda com os membros
deste Coven (denominado Coven de New Forest), e acabou por receber Iniciação.
O Coven de New
Forest, dirigido por uma bruxa conhecida por ‘Old Dorothy’, era representante
de uma tradição que havia sobrevivido às perseguições. Há quem insinue que
Gardner inventou o Coven para dar bases à seu trabalho posterior, e que Old
Dorothy nem ao menos existiu. Essas declarações foram refutadas com alegadas
evidências históricas por Doreen Valiente, no ensaio “Em Busca de Old Dorothy”,
publicado no livro “The Witches’ Way” (‘O Caminho dos Bruxos’), do casal Janet
e Stewart Farrar.
Com o passar
do tempo, Gardner preocupou-se com o futuro da Tradição, pois todos os membros
do Coven eram idosos, e não havia previsão de aceitar novos iniciados. Ele não
aceitou esse destino, e pediu permissão para publicar algumas práticas da
religião. Relutantes, os Sábios do Coven negaram. Mesmo assim, Gardner
publicou, em 1948, “High Magic’s Aid”, um romance no qual descrevia,
sutilmente, alguns rituais da Arte. A publicação do livro causou polêmica entre
o Coven de New Forest, e Gardner quase foi banido. Mas, com a queda das leis
anti-feitiçaria, os Sábios do Coven reviram sua posição e deram permissão a
Gardner para afirmar que a Bruxaria estava viva, desde que não revelasse nenhum
segredo. Então, em 1954, Gerald Gardner publicou o primeiro livro da Bruxaria
Moderna: “Witchcraft Today”, seguido de “The Meaning of Witchcraft” (1959).
Neles, Gardner afirmava estarem certas as teorias de Murray, pois ele mesmo era
um bruxo iniciado. Os livros falavam apenas superficialmente sobre a Tradição
que lhe havia sido confiada, concentrando-se mais no aspecto histórico da
religião.
Paralelamente
à publicação dos livros, Gardner saiu do Coven de New Forest e iniciou seu
próprio Coven, iniciando pessoas que lhe pareciam sinceras e dedicadas. A essas
pessoas, transmitia integralmente o conteúdo de um manuscrito, por ele
denominado de “Livro das Sombras”. Este livro continha integralmente a Tradição
do Coven de New Forest, mesclada a práticas mágicas retiradas da Clavícula de
Salomão e dos escritos de Crowley. Seu conteúdo, copiado por todo iniciado,
passou a ser denominado de Tradição Gardneriana, a primeira Tradição da
Bruxaria Moderna.
O ‘Livro das
Sombras’ Gardneriano teve três versões, conhecidas pelas letras A, B e C. O
texto que é utilizado atualmente pelos Covens Gardnerianos é o C, escrito por
Gardner em conjunto com uma de suas iniciadas, Doreen Valiente, responsável por
grandes mudanças no texto original.
Valiente
‘paganizou’ ao máximo os ritos e textos, retirando qualquer influência de magia
judaico-cristã ou textos escritos por Crowley. Atualmente, a Gardneriana é a
mais sigilosa de todas as Tradições modernas.
Gardner morreu
em 1964, e o comando de seus Covens foi passado à Monique Wilson, conhecida
como Lady Olwen. Na década de 60, surgiu outro personagem importante na
história moderna da Arte: Alex Sanders, que recebeu o título de “Rei dos
Bruxos”. Sanders era um grande interessado em bruxaria, que nunca havia
conseguido ingressar em um dos Covens Gardnerianos. De algum modo que até hoje
não está bem esclarecido, conseguiu tomar posse de um ‘Livro das Sombras’
Gardneriano. Uniu o conhecimento do livro (provavelmente cópia do texto A) ao
que afirmava ter sido transmitido por sua avó, uma bruxa familiar. Sanders
possuía um temperamento completamente antagônico ao de Gardner. Era um
especialista em marketing pessoal, o que lhe deu extrema notoriedade. Milhares
de pessoas foram iniciadas em
seus Covens , e ele aparecia em entrevistas em TV, rádio e
jornais. Era tão público que foi ameaçado de maldição por bruxos mais
tradicionais, temendo que ele revelasse algum grande segredo da Arte. Mas isto
nunca ocorreu: Sanders era um ‘show-man’, mas não era burro.
A Tradição
Alexandriana, fundada por Alex Sanders, é muito semelhante à Gardneriana. Sua
principal diferença é a maior ênfase mágico-cabalística, quase inexistente na
Tradição de Gardner. Sanders morreu em 1988, mas sua Tradição é uma das mais
difundidas no mundo. Existe também uma Tradição moderna denominada Alexandriana-Gardneriana
(Al-Gard), que tenta conciliar os ensinamentos de ambas, com a inclusão de
novos elementos, em sua maioria de origem céltica. Os maiores representantes
públicos atuais da Al-Gard são Janet e Stewart Farrar, da Irlanda.
Nos EUA, o
primeiro bruxo a se manifestar publicamente foi o anglo-gitano Raymond
Buckland, iniciado por Gardner e Lady Olwen. Considerado pelo próprio Gardner
um de seus herdeiros, Buckland migrou para os Estados Unidos logo após a morte
do bruxo. Lá, ganhou notoriedade por seus livros sobre Ocultismo e por ser o
fundador da Tradição Saxônica da Bruxaria, a Seax-Wicca. Nos Estados Unidos,
com raras exceções, a Arte ganhou um novo aspecto, inexistente na Bruxaria
Européia: o aspecto político.
A Bruxaria
uniu-se ao feminismo para gerar uma nova forma da Religião. Surgiram então
Covens denominados “Diânicos” , formados só por bruxas. Algumas das
representantes da Bruxaria feminista americana são Starwahk, Zsuzsana Budapest
e Laurie Cabot. Com exceção da primeira, nenhuma delas é levada muito a sério
pelos bruxos tradicionalistas europeus, que julgam-nas produtoras de distorções
no verdadeiro espírito da Arte.